Olha para mim


Olha pra mim. O que você vê, hem? Amanheci hoje com esta pergunta na mente. Não me olhava no espelho, que quebrou e vou tentar reaproveitar os pedaços maiores. Por um ano esteve encostado à parede inicial do quarto, coberto de poeira como tudo o que é largado. E vi o reflexo dos sonhos abortados, dos esquecidos e dos quase apagados.

Eu digo quase porque ainda permanecem ali, no cantinho do céu do meu cérebro. O céu pois que infinito. E acordei assim, sem saber, como sempre por onde andei e com quem estive. Mas, foi agradável este amanhecer. De pronto, nem percebi, só agora sentada aqui diante do monitor e interagindo com o teclado (que companheirão), me dei conta.

Às vezes eu perco a sensação da madrugada, na qual me comprazo em companhias agradáveis daqueles seres amados ou mal interpretados (prefiro assim para não dizer que odeio alguém). Nunca mais tive pesadelos. Deve ser porque penso Nele sempre quando as palpebras pesam, convidando-me à uma noitada agradável de sono reparador.

Quando os pesadelos eram os acompanhantes, o sono reparador mais parecia propaganda de colchões. Foi para este produto que emprestei a voz, num primeiro teste para comercial. Não deu certo, assim como o nome que me inventaram: Gizela Mara (leia guisela). O inventor já se encontra no mundo espiritual, criando e recriando slogans, produzindo programas para TVs plasmadas, e nós aqui, na falta dele, sem TV de plasma, implorando por produções melhores, que nos mostrem como somos na verdade.

Isto não é devaneio. É só o pensar liberto, sem edições.

Cedendo aos caprichos


Por que cedemos aos caprichos do outro? Boa pergunta esta! Porque também somos caprichosos. Queremos fazer mimos para quem gostamos. E como somos confusos, digo. As exigências, na maioria, são ridículas.

São pequenos testes de tolerância, de passividade. E todo mundo vai na onda porque o centro das nossas atenções está chamando a nossa atenção. E tudo converge para ele. Fulano, o nosso bem maior quer algo e a todos ordena. Isso não é amor. É ditadura!

O ditadorzinho não faz idéia (ou será que faz?) do imenso trabalho que nos dá. E é um tal de quero aquilo, não, esse não presta! Eu quero porque quero. E a gente já substituindo o sorriso de gratidão pela existência do ser por um Ufa, que saco! Quer bem feito? Vai fazer, ora!

Só que o ser amado não quer fazer ou não sabe. E quando sabe tem argumento fatal: fica melhor quando é você quem faz. E nós na onda, quase desistindo. E agora, será que satisfaço os seus desejos? Claro que não!

E quando, finalmente, desistimos pra lá de cansados, de solícitos passamos a ser intolerantes, enfezados... insatisfeitos com a insatisfação do outro. Haja exercício!

A ilustração é uma homenagem ao autor dos caprichos (Los Caprichos) mais famosos, Francisco de Goya, que depois de perder a audição se fez mais completo porque passou a ouvir o talento com muito mais vigor.

Só pra dar uma razão cultural ao pensar de hoje.

Passei no vestibular, e agora?


Estou comemorando com a minha única sobrinha a sua conquista à uma vaga na Universidade Federal do Ceará. Como eu, ela só conseguiu passar pela porta estreita da seleção depois da terceira tentativa.

Passar no vestibular é desbancar todo o temor estudantil de ter que ficar anos a fio tentando sair da peleja. E uma vez universitário é sonhar com um futuro totalmente inesperado. Sim, porque não basta o acúmulo de cadeiras a cumprir.

Logo no início, no primeiro dia na Universidade, após me livrar das ameaças de trote - aliás eu estava torcendo para que alguém cortasse aquele cabelo enorme que eu era obrigada a usar - vi que o sonho universitário estava mais para fantasia. Nada de fantástico me aparentava até então.

Após a primeira impressão, fui aos poucos me adaptando ao novo ambiente. Salas empoeiradas, cadeiras necessitando de manutenção, quase ou nenhuma acústica, professores que recebiam o mesmo tratamento que os colegas na hora da cantina. Tudo muito diferente, mas não melhor como eu desejava.

Adiante, descobri que poderia voar com asas, de fato. Depois da última aula sábado, ia ao aeroclube vencer as alturas com a ajuda do amigo, Ribamar. Puxa vida... como foram maravilhosos aqueles dias e eu já tentando uma nova empreitada da vida: pilotar aviões. Fui descoberta pela família, cedi às chantagens emocionais e larguei os céus, que eu cruzava num "paulistinha".

Foi o primeiro vôo da minha vida até então. É difícil subir aos céus diante de tantos arrastamentos e compromissos no mundo capitalista. Mal terminei a faculdade e já estava endividada com o governo federal. Tinha um ano de carência ainda para quitar o crédito universitário, que foi investido em livros de diferente autores, todos novos para mim.

Hoje, pelo menos, tenho a certeza de que a Universidade é para sempre. Continuo estudante numa escola na qual a vaga é permanente, mesmo quando reprovada; e onde os professores são mestres da tolerância, da paciência e, acima de tudo, da compreensão da vida perene.

Nas ruas do Centro


Há séculos não ia ao Centro da Cidade, local batido por um bom período da minha vida. Tudo funcionava lá: além do comércio, os cinemas, o teatro e as paqueras. Melhor lugar para se encontrar, saber das novidades e sonhar com as vitrines? Praça do Ferreira, é claro! E quantos vexames me pregou o tal vento que lá existia... Gente, a Cidade está sem ventilação.

Lembro que naquela época, por imposição materna, eu usava um cabelo enorme e andava de saias rodadas. Exagero meu, quase rodadas. Com as mãos cheias de pacotes e livros, não sabia o que segurar, se os cabelos ou a saia e o vento curtindo com a minha indecisão, me deixou inúmeras vezes à mostra, fazendo a festa dos meninos e idosos que lá ficavam esperando uma oportunidade.

Bem diferente hoje. Sem quase vento nenhum, a Praça do Ferreira é mais um ícone encostado. Os frequentadores ainda persistem, mas com conversas e sonhos diferentes. Para mim, um corredor pelo qual passei às pressas sem olhar com atenção para as vitrines. Mesmo assim, ainda estiquei o olhar para o prédio, que abrigava um dos maiores e melhores hotéis de Fortaleza, o Savanah.

O Savanah hospedou tanta gente importante, dentre elas o rei Roberto Carlos. Matei aula para ver o rei de longe, que acenava da sacada. Estava entretida com a paisagem disputada quando senti um baque fortíssimo atingindo em cheio o rosto. Fiquei tonta, com muita dor, e só depois soube que foi uma laranja atirada por não sei quem. Lógico que sofri com aquilo, mas me serviu de lição para deixar de ser "Maria vai com as outras" e me poupar do vexame.

Está me reprovando? E você nunca faltou à uma aula para fazer algo sem malícia nenhuma, só pelo prazer de burlar alguma regra mais ou menos sem sentido? Mas, voltar ao Centro da Cidade foi uma experiência e tanto! Apesar do calor, do desconforto, eu me senti fortalezense, misturando-me aos transeuntes lentos ou apressados.

Quer conhecer a Cidade? Vá ao Centro, nada melhor para conhecer de perto a cultura nossa. Os shoppings são legais, confortáveis e oferecem inúmeras opções, no entanto, nada como as ruas sinuosas, retas, quase limpas da nossa Fortaleza.

Presente dos Reis Magos


A tradição sempre nos enviará de volta ao passado. O mais interessante é que os fantasmas de antes não mais assustam, ou pelo menos, já tenho certas armas para enfrentá-los. Eu não sei porque estou iniciando os meus escritos assim porque o motivo das letras de hoje foi o canto, desafinado que dava gosto, de algumas vozes entoando o hino aos Reis Magos.

Eu já nem lembrava como se cantava pela madrugada a dentro, acordando os moradores da antiga Fortaleza. Eu sempre vi com romantismo os boêmios, que ensaiavam versos nas portas de possíveis conquistas, correndo risco de levar gritos ou até algo bem pior.

Estava insone, na cama, janela aberta curtindo o vento quase frio da madrugada cearense. Na dúvida, se ligava a luz para ler um bom livro, que não me deixo faltar, ou a TV, ouvi, de início ao longe, o canto aos Reis Magos. Duvidei, mais uma vez, só que desta vez, do ouvido.
E antes que eu julgasse porque alguém ainda tinha a idéia de repetir a ação, fiquei embalando as lembranças da infância.

O grupo de cantores jamais vai saber o prazer que me proporcionou. Quando menina, assustada na escuridão que me oprimia, auxiliando os fantasmas que insistiam em me perturbar, sempre apelava à sorte, por alguém que estivesse acordado e com a sua voz, me oferecesse o pequeno mimo de segurança.

Pela Lei Divina, que graças a Deus não muda, as vozes iam e vinham e eu abraçando o travesseiro que me pareceu mais aconchegante, me vi menina outra vez, sem preocupação de contas a pagar, desemprego à vista e pela insegurança na Cidade. Apenas, sonhando com os olhos semi-cerrados com o advir, porque sempre plantei esperanças.

Se deixar, o vento leva!

  De vez em quando faço uma ligeira pesquisa por aqui, neste espaço.  É tão bom ler o meu pensar de alguns anos.  Este blog tem me acompanha...