Quis dançar só


Vou construir uma suíte porque vou casar outra vez. Estava reformando a casa. A frase surpreendeu a família porque como eu, não conhecia o pretendente. Feito o quarto amplo, branco com salmão, janelas num convite de olhar profundo para um céu promissor, cama confortável e lugares a preencher. Assim ficou.


Não foi surpresa conhecer o homem com que me aventuro. Foi resultado de uma pesquisa movida pela curiosidade, assim como tudo o mais que me cerca. Estico o olho, abro o sorriso e... pronto! já estou com bagagem pronta, travestida de prazer pela reviravolta.


Ainda não casei. É uma questão de tempo. Nem faltam detalhes. Apenas contar o tempo que não se esvai, apenas nos prepara. E sem nada falar vai me acompanhando, as vezes despercebido, outras vezes caprichoso, deixando-me marcas de expressão.


Fiquei nesse pensar depois de ouvir trechos da história de uma vida em comum há quase 60 anos. Imagino o quão prazeroso e rico conviver seis décadas com alguém que se pode, no mínimo, chamar de companheiro.


Quantas noites repartidas. Poderia contar as brigas, sonos solitários, um na cama emburrado, choroso, enquanto outro no sofá? Na rua, divertindo-se, descobrindo o prazer de conviver com outras, sentindo-se escravo de uma imposição?


Quantos botões costurados em troca de um carinho. E os jantares românticos que não participei? que não preparei? O prazer do vestido novo sendo percebido... os dias corridos, cooperados, divididos.


Aquela troca de olhar em que me sentia alienada de tudo mais. Nunca foi tão bom ser alienada. O namoro sem ter que dar o boa noite reclamado pelo pai. Tudo pela honra da filha! Que tempo bom.


Pedir empréstimo, num socorro às contas empolgadas, mesmo sabendo que não devolveria. Contrato de risco, a gente faz.


A vida a dois é um prazer a ser descoberto. Só que em muitas ocasiões, por não me perceber, atropelei o salão da festa. Quis dançar sozinha, reclamando liberdade, mais espaços. E agora, outra vez, busco um par de mãos, que se enlacem em nova promessa de conquista.


E aí, quer participar da minha festa?

A respeito da dor


Quando alguém desperta, só eu sinto. E mesmo que o outro queira compreender, não será suficiente para sentir.


O melhor da dor é que passa, assim como a euforia, o entusiasmo, o grito do gol e o susto.


Só para não dizer que escrevi antes de destacar texto de autoria de Érica Azevedo, minha própria filha, como costuma dizer, intitulado O meu consolo


Não é como se diria em alguns casos de tragédia: "Eu sei como você se
sente". Nesse caso, em especial, não dá para saber. A tragédia com o menino João
Hélio Fernandes - que morreu na última quarta-feira, 7, no Rio de Janeiro,
arrastado pelo cinto de segurança, do lado de fora do carro da mãe, guiado por
assaltantes - é abominável demais para se ter qualquer noção da dor que os pais
dessa jovem criança sentem ao lembrar do episódio. Episódio este, como reportou
a Imprensa, (até então), "uma quarta-feira normal".



Lia a matéria estarrecida, amedrontada, exceto por um detalhe, que me deu
conforto e me fez (mais ainda) acreditar que o menino tão querido daquela
família, está bem, onde estiver agora. Pouco antes do momento do assalto, eis
que a mãe de João Hélio, mais os dois filhos, voltava de um centro espírita.
Espírita ou não, a comerciante Rosa Fernandes acredita (ou busca acreditar) numa
existência muito além desta e, talvez, numa lei, divina, que governa este
planeta.



Esse foi o meu consolo. Porque, apesar de toda a dor que a família de João
Hélio possa sentir agora, Rosa sabe, no fundo, que Deus vela por seu menino.
Conhecimento nenhum, desta vida, explicaria o porquê de uma morte tão violenta -
a lembrar o saldo de uma guerra impensada, irrefletida e violenta, que sai
massacrando tudo e todos.



A Doutrina dos Espíritos explicaria, decerto, que as ações deste mundo são
resultado de situações vividas anteriormente e que não há crime sem punição. E
que, ainda, não há culpa que se estenda pela eternidade, ou seja, não há delito,
nem algoz, que não mereça perdão, por pior que tenha sido o crime.



É certo, então, que esta tragédia é motivo para reforçar a fé dos pais de
João Hélio e não para alimentar vingança. Motivo também para trabalhar pela
modificação desse quadro de caos que assola o País, que perdeu o referencial de
segurança. Ninguém está mais seguro em lugar nenhum. Somente, quando se reporta
à crença, ao lugarzinho na consciência, que ascende para o velar de uma força
muito superior a nós todos e que nos espera chegar ao dia em que não mais nos
violentaremos e somente colheremos os frutos do amor plantado pelas esferas.

Beleza, segundo Joana




"Reserva um breve espaço de tempo entre os teus deveres para a beleza.

Desperta cedo, a fim de acompanhar o nascer do dia, embriagando-te com a
pujança da luz.

Caminha por um bosque, silenciosamente, aspirando o ar da Natureza.

Movimenta-te numa praia deserta e reflexiona em torno da grandiosidade do
mar.

Contempla uma noite estrelada e faze mudas interrogações.

Contempla uma rosa em pleno desabrochar...

Detém-te ao lado de uma criança inocente...

Conversa com um ancião tranqüilo...

Abre-te à beleza que há em tudo e adorna-te com ela."


[Joanna de Ângelis]


Pois é, isto é a beleza, que tanto reclamamos, buscamos em frente ao espelho...


Na sala de cirurgia;


Nas praias lotadas e sol escaldante com olhos semi-fechados por conta da claridade...


Mente embotada pelo álcool


Esquecidos do verde das árvores que purificam o ar, plantadas e replantadas nas avenidas de chão preto...


Nas salas, onde conversar é proibido porque a estória da médica Helena, que escondeu a filha da outra, tem problemas de consciência...


Nos quartos solitários, janelas fechadas para não entrar muriçoca, barrando o céu de estrelas loucas por um olhar humano...


Nos presídios, onde o infinito do céu se confunde com a sentença e o homem goza de um prazer estranho, alimentado na vingança...


Enquanto isso, aumentamos os gastos com os produtos da cosmética. Ilusão nossa. A beleza não se mascara.

Se deixar, o vento leva!

  De vez em quando faço uma ligeira pesquisa por aqui, neste espaço.  É tão bom ler o meu pensar de alguns anos.  Este blog tem me acompanha...