Para ser santa


A história dos últimos passos de Cristo na terra (era assim que falavam pra mim) eu conheci por meio do rádio. Vozes se multiplicavam doloridas, raivosas, tristes... Na mente infantil era uma súplica para impor respeito.


As dores iniciavam no Domingo de Ramos. Eu não sabia por quê tinha que ir à Igreja e carregar aquele raminho verde, seguir na procissão, silenciosa. Inúmeras perguntas latejavam-me sem resposta porque eu sou do tempo em que criança não tem que ser curiosa e, muito menos, satisfeita em sua vontade de descobrir o mundo em que vive.


Com dedo em riste ou sobre os lábios, as senhoras sérias, que se vestiam de preto e cobriam toda a cabeça com um manto também preto suavizado por pequenas renda, tachavam-me de "espilicute".


Assim, a semana prosseguia. Queria correr pela casa, mas era falta de respeito. Eu só gostava mesmo, imensamente, era do dia de hoje: sexta-feira santa da Paixão. Era proibido varrer a casa. Para esta imposição, eu nem me preocupava com as razões. Vivia apenas a felicidade de não ter que fazer faxina.


Se não fosse o rádio e os seus radioatores pouco saberia sobre a vida daquele que deu a vida por nós. Essa expressão batia na minha cuca pré-adolescente, querendo conhecer o mártir que, mesmo sem me conhecer, e antes que eu nascesse, deu-me a sua vida para que me salvasse. Salvar de quê?


Com todo respeito, por que não me falaram a verdade? Por que não me mostraram a verdadeira missão daquele ser fantástico? Por que insistiram provocar a minha piedade confusa? Por que não me disseram que ele é o meu irmão na criação divina e que eu posso falar-lhe todos os momentos da minha vida? E que há muito, muito tempo, largou a cruz espinhosa e lança sobre todos nós a sua compreensão infinita?


Ah, meu irmão, como somos ingratos.

Reduzir pra quê?


Não me perguntaram, mas vou falar assim mesmo sobre o que penso da redução da maioridade penal. Não conheço o assunto na sua totalidade, mas a pretensão me estimula. Reduzir a idade legal com a intenção de reduzir a criminalidade, é no mínimo, querer continuar deixando os jovens à revelia do processo de qualidade de vida.


São tantos sem um abrigo no respeito, na sua condição de cidadania... como querer evitar algo que trazemos dentro de nós, por meio de decretos, projetos? Ok, pode-se deixar preso por mais tempo os criminosos precoces, permita-me a expressão, mas para onde irão? Como serão tratados?


São crianças ainda. Já me cutucaram o pensar sob o argumento de que saio em defesa porque ainda não fui vítima de um mirim. Pode até ser, mas quem é mirim, aqui? Eu só vejo um monte de crianças largadas à própria sorte(?) sem norte.


É lógico que a solução não será a curto prazo, mas é tempo de construir uma vida melhor para os nossos filhos sem a desculpa esquiva de que sob o braço forte da lei iremos educá-los e torná-los pessoas melhores.


Não defendo impunidade. Pelo contrário: mas onde estão os maiores de 18? com quem viviam antes? O que comiam? qual a escola que frequentavam? A profissão dos pais? A questão é muito maior do que apenas pretensas discussões.


Nós tememos a violência porque somos ainda e alimentamos esse monstro.
As borboletas foram criadas para voar, ganha o céu numa liberdade infinita enquanto se credita o direito.

Quatro estações


Estou entrando na primavera. Foi no momento certo que as flores e os frutos chegaram. Foi logo após o outono, momento em que me despi das folhas secas, do ranço, das lembranças que mais destruíam que fortificavam. E aí veio o inverno para encharcar as emoções e lavá-las.


Há pouco falava com o móvel da estação colorida. Costumo pensar que, apesar da individualidade do sentir, possuímos certos botões que necessitam ser digitados. São tantos que esqueço. É nesse momento, que alguém chega e me cutuca a idéia para acender todas as luminárias dormentes.


Se você vier me perguntar (parece letra de música) quando foi que me toquei, não saberei dizer. É tudo muito sutil como só o pensar sabe fluir, conhecer e identificar o caminho das idéias. E vou nesse trem carregado de sugestões, agradecendo por ter vivido todas as estações.


Já fui chuva, me responsabilizaram por transtornos, esquecidos de que somos nós os genitores das condições favoráveis. Dispensada, percebi que como a água, participei da criação e gerei frutos. Deixei a "terra" pronta.


No verão, alegrando as cores, fui árida e deixei muitas pessoas assim. Agora, com licença porque a aridez também se manifesta rica: a luz é vital.


Já preferi plantas sem flores, vivia apenas a esperança de melhoras. Das flores esquecia-me diante dos espinhos. Da rosa vermelha, o sangue me despertava dor. Estava longe da paixão de que os poetas falavam.


Hoje percebo que a minha melhor estação é o outono.

Se deixar, o vento leva!

  De vez em quando faço uma ligeira pesquisa por aqui, neste espaço.  É tão bom ler o meu pensar de alguns anos.  Este blog tem me acompanha...