Flagrantes


Semana passada vi um flagrante que mereceu três dias para apaziguar o pensar, libertando-o da reflexão superficial. Um trabalhador marginal depois de vencido o fluido vital, foi transportado no carrinho, que levava o ganha - pão. Catava lixo, os resíduos largados, dispensados que nem ele. Ficou teso, corpo frio como a nossa mente em relação aos outros tantos miseráveis desta Terra.

Numa súplica aos céus, o corpo que abrigou aquele espírito missionário - não se sabe qual, mas Deus tem uma meta para cada um de nós - virou desfile sem muita platéia. Se não fosse o flash rápido de um fotógrafo teria passado em branco.

Ao ver o flagrante colorido mostrando a palidez da morte fico cismando o pensar para os que treinam em academias, firmando os músculos numa auto-afirmação de ser diferente. A mudança interna, porque dói muitas vezes, é deixada para trás. A cena chocou porque se dá uma importância fundamental ao destino do corpo inválido de força viva. Pergunto-me por que não choca mais ainda a vida clandestina de sorte que os catadores levam.

Não obstante, o otimismo não me escapa na esperança de ser melhor e ter melhores semelhantes. São tantos defuntos entre nós como tantas mais ainda as boas idéias, que fenecem por falta de vivacidade contínua.

Um comentário:

Eduardo Andrade disse...

Fátima,
Excelente post.
Até onde vai chegar à frieza do cotidiano? Nunca se sabe o que ainda veremos...

Se deixar, o vento leva!

  De vez em quando faço uma ligeira pesquisa por aqui, neste espaço.  É tão bom ler o meu pensar de alguns anos.  Este blog tem me acompanha...